Não faz muito tempo, quando pescava
uns mandis sentado no banco de um casco amarrado num aturriazal, na boca do
Giticateu,lembrei do tempo em que víamos inúmeras pessoas iscando matapis
naquela beirada ou com suas redes de lancear, pegando alguns camarões ou peixes
para a boia. Se fosse na maré seca via-se alguns que iam despescar seus cacuris
ou canoas até bater de estacas, atravessadas, para sentar a camboa e espalhar
os paris.Isso era rotina.Era um vaivém constante.Eram conhecidos dali mesmo,
que passavam pela pessoa e cumprimentavam-se com um: Ei suomi! Isso foi no
tempo do dantes, diria meu velho Pai se fosse vivo. Hoje, o pessoal da beirada
já não anda a remo, as montarias já não usam velas para aproveitar o vento,
tudo está mudado e aquele pessoal de outrora já não mora por ali. Migraram para
a cidade grande, foram para Ponta de Pedras.
Naquele tempo, quando alguém da
beirada levava um bom peixe era encontrado na Ponte do Seu João Ramos que, por
incrível que pareça, estava sempre em melhores condições do que está agora.
Ali, até o começo da enchente sempre tinha um grande número de embarcações,
naquela época quase não se usava casco. Tinha embarcação dos Ervanos, dos
Serras, dos Freitas, dos Patos, dos Mucuras, do pessoal do Cupichaua, do São
Miguel, dos Sapos, dos Veados, daquela turma toda, todos conhecidos. Geralmente
iam vender camarão no antigo mercado, que um maluco mandou demolir. Quando o
camarão bamburrava, muitos levavam de volta para fritar e vender em Belém, que
nem sempre era vantagem.Essse movimento na Ponte do Seu João Ramos, também
sumiu porque os camaroeiros e os camarões diminuiram.
Naquela época, acho que nossa
população vivia mais em equilíbrio, o pessoal do sítio como costumavam chamar
conseguia sobreviver bem, plantava sua roçinha, iscava seus matapis, criava
seus xerimbabos, apanhava açaí, de tal forma que dava para comer e sempre que
possível vendia o excedente, que não era lá grande quantidade, mas dava para
conseguir uns borós.
O pessoal de Ponta de Pedras, da
mesma forma, vivia relativamente bem, a Cidade era calma, não tínhamos notícia
de crime, nunca ouvi falar de drogas ilícitas, podíamos andar tranquilo depois que
a luz apagasse (A luz apagava onze horas da noite) e nada acontecia, às vezes,
um susto com o latido de um cachorro e nada mais. Lembro bem que, se um rapaz
do sítio namorasse uma moça da Cidade e estivesse conversando com ela, na
primeira piscada da luz, era como se fosse um sinal para se despedir, isso
aconteceu comigo, porque sou do sítio e namorei moça da Cidade. Quando íamos
para as festas na Cidade, calça de linho passadinha, glostora ou mutamba no
cabelo e extrato, ao terminar a festa, com a luz apagada, íamos sentar no
banco da pracinha, e inúmeras vezes esperamos Seu Imérito ou Seu Miguel Jarana
abrir para tomarmas café com pão e manteiga, manteiga mesmo. Depois, se a maré
estivesse seca e a montaria lá em terra, era só tirar a calça e meter o pé no
tijuco, empurrar a montaria e voltar tranquilo pro sítio.Tempo bom aquele!
Ponta de Pedras era muito agradável
de se andar, existiam inúmeros espaços, por exemplo: No local da Catedral, era
um campo de futebol onde o pessoal jogava nos finais de tarde e os moradores
dos arredores colocavam cadeiras de balanço na porta para assistir; o chalé da
família Ramos era bem cuidado; no Ponto Certo, tinha o campo da moinha, onde o
pessoal da Serraria e Olaria dos Marianos jogava bola após a labuta; no
Campinho, onde existe aquele Colégio, era um campo, onde o pessoal daquela área
trançava na bola.
Nessa pacata Ponta de Pedras, vivia-se
relativamente bem. Hoje, o pessoal da beirada mora na Cidade, acho que o êxodo
foi em busca de conforto, de melhoria, principalmente para os filhos, acho
muito justo. No entanto, a Cidade, em nenhum momento se preparou para receber
seus novos hóspedes, é como se uma pessoa chegasse em um lugar desconhecido e sem ser convidado tivesse a seguinte recepção:
Vai se arrumando por aí por enquanto (Esse por enquanto leia-se
definitivamente). Daí, se andarmos pela Cidade, constatamos que novas ruas
foram abertas, em igapós, com pontes mal cuidadas; casas sem esgotos
sanitários, depositando excrementos no solo; lixo por todo que é lado e doença
campeando, atingindo principalmente crianças e idosos. Essa falta de
planejamento para receber dignamente os moradores do sítio e mesmo o aumento da
população que já residia na Cidade,deu origem a um sem número de problemas. Hoje
já não se pode tomar um banho no Ponto Certo porque ao mergulhar, pode buiar com
um “capitão” na cabeça que, eventualmente, pode vir de bubuia descendo ou
subindo o rio. Isso sem falar de tráfico de drogas, crimes, assaltos e outras
mazelas que a população é obrigada a conviver.
Vislumbra-se alguma melhoria? Sou
muito otimista que sim, não partindo unicamente do poder público porque as
políticas públicas nem sempre conseguem resolver todos problemas que afliguem
uma comunidade. A mudança terá de partir, também, do povo, da educação das
pessoas, da união, da conscientização de todos e da necessidade de cada um
viver melhor, pois, acredito que esse seja o principal objetivo dos que moram em
Ponta de Pedras.
Pensem nisso.