sábado, 22 de julho de 2017

ESTÓRIA DO MEU INTERIOR - CASA DE POBRE, QUANDO TEM CARNE FALTA FARINHA.

As guaribas faziam a festa lá longe, enquanto Juca do Panga, de cócoras numa raiz de mututizeiro, caniço na mão, pescava alguns matupiris no poção, que ficava logo abaixo do porto, onde o miritizeiro, preso pelos marás ia lá fora. Ao seu lado um caniço feito de jiniporana fincado no tijuco, mantinha n’água uma linha mais grossa com uma anzol bem estrovado, vai que um peixe purrudo estivesse mariscando por ali! Nunca se sabe. A maré estava pra repontar e aproximava-se a hora dos peixes começarem a bater.
Seu Belarmino, sentado na beira do jirau, limpava umas talas de jupati pra fazer funil para uns matapís que tecera e como ainda tinha um resto de coco com farinha pra fazer as poquecas, precisava terminar aqueles matapís para espalhar pelo igarapé, mesmo sabendo que camarão estava vasqueiro.
Dona Fuluca, cuia na mão, não parava de chamar os xerimbabos para contagem e assim verificar se o gavião ou sucuriju não devorou um pinto ou um patinho. Pretinha, a bacurota, fuçava no coroçal, levantando uma imissidade de mucuim.
No fogão, a panela tisnada guardava só um caldo de peixe que sobrara do almoço; na lata de farinha só restava cuí, impróprio para um bom chibé, talvez desse pra fazer um caribé ou, quando muito, um mingau pateta. No pasto, o açaí ainda estava paró. A boca da noite se aproximava e a janta não estava garantida.
- Peguei!
Era o Juca anunciando que fisgara um peixe no anzol maior.
- O que já é antão piqueno? – disse D.Fuluca.
- É um tebeira de um jacundá-piranga, disse Juca.
Após um tempo de luta, o jacundá foi dominado e levado para cima de uma ponta de tijuco que ficava próximo, assustando os sararás que mariscavam por ali.  
- Cuidado com o istrepe nu pé e num me perde o pexe porque huje parece que o jucuraru passu pelo fugão!  Recomendou D. Fuluca.
O peixe foi pro paneiro de jacitara que Juca levara com as iscas, a janta estava garantida.
Juca se dirigiu pra casa e entregou o peixe pra D. Fuluca que foi em direção ao jirau para preparar, enquanto Juca, pegou o machado para tirar algumas achas de lenha para preparar o fogo para fazer o moqueado.
Seu Belarmino terminara de iscar os matapís e se preparava para  sair, porém, antes, pegou o remo, a poronga pois a noite não tardaria e um terçado que estava enfiado na palha e foi espalhar os matapís.
- Belarmino, num demora porque logo, logo o pexe está muqueado e cumer pexe frio num é bom – alertou D. Fuluca.  
Seu Belarmino saiu.
Juca e D. Fuluca ficaram cuidando do moquém e aprontando o peixe, sem pressa, para esperar seu Belarmino que não tardou muito, pois eram só cinco matapís.
Seu Belarmino já chegou banhado, pois aproveitou para dar um mergulho no porto e, por causa disso, levou uma pequena descompustura de D Fuluca:
- Mas Belarmino, num me diz que tu tumaste banho no porto uma hora destas? - Sim, dei um mergulho.
– Mas tu num sabes que a Mãe D’Água se incomoda cum barulho esta hora e  pode te fazer argum mar? É, mas Ela sabe da minha necessidade, me perdoa. Respondeu seu Belarmino.
Juca, que estava na ilharga do moquém avisou: - Tá pronto!
- Antão vamos cumer, disse D. Fuluca, que pegou os pratos que estavam num petisqueiro juntamente com as colheres e espalhou no assoalho. Juca botou o peixe num xarão e levou para o meio da mesa posta e seu Belarmino, dirigiu-se para a lata para pegar a farinha. Mas quando meteu a cuia e viu que só tinha cuí, disse: -Mas acabou a farinha? D. Fuluca respondeu: - Acabu, só tem isti cuí.
Juca lembrou do ditado que diz: em casa de pobre, quando tem carne falta farinha. No que D. Fuluca retrucou: - Mas piqueno, te dê por abençoado, quantas bucas num tão querendo uma bucada de cumer e não têm! Nós que temos, devemos agradecer a Deus e vamu cumer assim mesmo e depois procurar a rede. 



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