quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

A MÃE DO MATO.

Era época de chuvas, a maré a cada dia crescia mais, com isso, pescar não era uma boa opção. Juca precisava conseguir um meio de angariar a bóia até que a maré começasse a quebrar e os camarões e peixes aparecessem.
Talvez ir para Belém vender algumas frutas ou o restinho de xerimbabos que ainda ciscavam pelo terreira, contudo, em épocas de pouca fartura até o frango pedrês estava magralhão, os porcos quase não saiam do chiqueiro, o sucuriju poderia ter seu dia de festa e devorar o cuchito e a bácula. Dias terríveis naquelas paragens.
Para amenizar os dias em que era vasqueiro conseguir uma bocada, Juca resolveu dar uma caçada. Já tinha ido outras vezes e pouco tinha conseguido. Os tatus, veados, quatis já estavam ausentes daquela área, fazia muito tempo que não se via nenhum, só alguns inumbus, jurutis, um ou outro camaleão, uma preguicinha aqui, uma perema ali e nada mais, só mucura que ainda se via algumas. As mucuras pretinhas eram as que ainda se viam nas noites, quando ia lanternar. Aqueles mucurões brancos, gordos, que eram comuns nos mundés, esses?Babau galheta! Sumiram. 
Foi diante desse cenário que Juca olhou para o pau-de-fogo que estava pendurado entre dois caibros. Era uma espingarda com alguns anos de uso, diga-se a verdade, mas tinha história. Estava enrrolada num pedaço de rede velha. Esse procedimento era para evitar a ferrugem, mas precisava de uma limpeza antes de entrar em ação.
Juca precisava de óleo para lubrificar as partes móveis da arma e D. Fuluca era a pessoa ideal para fornecer aquele material.
Dona Fulaca estava de cócoras, com uma tina entre as pernas, paurronca rolando de um canto a outro na boca e de vez em quando levantava a cabeça para que a fumaça do cigarro não a sufocasse. Ouvia-se somente um hum..hum..humm como se fosse um gemido, mas na realidade, D. fuluca lembrava uma velha canção da sua juventude.
- Mamãe, onde a senhora guardou aquele restinho de óleo Singer que a senhora lambuzava sua máquina de costura? Disse Juca.
- Tú já vai cumeçar, pra que tu qué antão? Respondeu D. Fuluca.
- Estou querendo dar uma caçada e a espingarda está precisando ser lubrificada, quero passar óleo Singer nela. Aquele óleo é bom. Disse Juca.
- Meo Filho, u restinho qui tinha eu dei pru Filismino qui ele pidiu, num sei se subru, mas se subru, ele deve ter colocada na ponta daquela  tábua de acapu, vê lá. Cuidado cum u istrepe, essa tabua está sortando uns ferpo que entra embaixo da unha e quando inframa é um Deus nos acuda. Cuidado!
- É, ainda tem uma rebarba, dá. Disse Juca após encontrar o óleo.
- Mas quando tu quer ir caçar antão? Eu ainda acho que é melhor gapuiar um puçu ou prucurar uns peixe nus burucos de pau nu rego do garapé. Esse negócio de caçar esta época disque num é bom, a Mãe du Mato istá só isperando pra incantar u cacador. Si ainda fusse isperar a imbiara na cumidia, incima dum mutá, vá lá, mas andar pur esse mato sozinho, me dá é medo. Disse D. Fuluca.
- Não Mamãe, isso de Mãe do Mato não existe é só lenda. Se isso fosse verdade, não existiam caçadores. Retrucou Juca.
- Tu qui pensa, tu qui pensa. Tu te alembra daquela vez qui o cumpadre Belarmino ficu de cama, mar..mar.., cum aquele haver de mijacão nu pé e aquela frieira que num sarava mais? Puis é. Um benzador du Mocoões, aquele preto qui dizem falar cum gente du além disse qui o cumpadre Belarmino istava cum mau olhado e que aconteceu despues de uma caçada. Pra mim, fui a Mãe du Mato.
- Mas mamãe, por aqui não tem essas coisas. Disse Juca, duvidando da estória de D. Fuluca.
- Mas pra que duvidar meo Filho, us antigos sempre diziam qui prudência e cardo de galinho não faz mar pra ninguem. Pra que duvidar? Sabe-se lá, atrás duma sapopema, debaixo de um cipoal, nu meio du sororocar, iscundida numa toica, derrepente lá está a Mãe du Mato, incantada numa jibóia, num sucuriju, numa caça, até numa priguiça quarquer, quem pode duvidar. Eu tenho iscutado é histório subre esse mato.
Juca estava terminando de fazer a munutenção da arma e estava tirando o óleo que estava impregnado na mão para poder guardar o material utilizado na faina.
- Mamãe, ainda sobrou um pouquinho de óleo, vou deixar em cima da tábua. Disse Juca.
- Dexa meo Filho, dexa. Olha, me pega aquele cobó que istá mitido naquela parede de miriti, cuidado pra num cortar as talas que istão amarrando a parede. Naquele panero de arumã qui istá incima daqueles matapis, tem um pedaço de sabão, corta um pedaço e me dá que eu quero terminar de ensaboar esta rupa pra quarar. I a caçada, qui horas tu vai sair? Concluiu D. Fuluca.
Mamãe, eu ainda vou pensar, porque a senhora com suas estórias deixa a pessoa com medo de ir pro mato. Disse Juca.
Mas meo Filho, é o que us antigos contam, isso é só umas histurinhas de nada, u teu avu era que sabia de cuisa. História da navios que a Mãe du Rio incantu, pessuas que furam comidas pela cobra grande, gente qui sumiu i até huji nunca vortou mundiado pela Matinta Pereira ou Curupira, ah meo Filho, esse mato tem é cuisa por aí. Te aquieta qui é melhor, pega teu folheto, deita na tua rede e fica em casa lendo. Por falar nisso, tu já lestes u fulheto da peleja du Cancão de fugu cum ou Zé pritinho que tu cumpreste? Perguntou D. Fuluca.
- Não, ainda não li. Respondeu Juca.
- Antão, guarda pra lê de nuite, antes de durmir. Mas eu já gosto das traquinices du Cancão de Fugu.
- Tá bem Mamãe, eu deixo. Fique lavando sua roupa que eu vou lá na retrete, já volto.
- Hum..Hum. Vai meo filho. 

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