sábado, 12 de janeiro de 2013

O ESPINHEL.



Num finalzinho de tarde de verão, Juca do Panga resolveu esticar um espinhel para ver se conseguia pegar algum peixe;um filhote, surubim,dourada, piramutaba ou qualquer outro, pois já fazia algum tempo que não saboreava um caldo de peixe fresco com pimenta. Sabia que peixes grandes por aquelas bandas já andavam vasqueiros, peixe de cacuri, tapagem ou de lanço ainda tinha uma boa rebarba. O espinhel já estava pronto e pendurado no beiral da casa fazia algum tempo, anzóis estorvados tipo peito de camarão, mussum na gamela pronto para servir de isca; pedra que serviria de poita junto ao primeiro mará do porto, tudo pronto, maré de lançante. A linha, que Juca tingiu com cumaté, fora comprada em Belém pelo seu Seruaia, marreteiro conhecido que fazia algumas compras quando ia a Belém, aproveitava para vender alguns xerimbabos da D.Fuluca e trazer alguma encomenda. Ganhava uma “beirinha” é claro, pois, aumentava o preço da mercadoria que constava da nota fiscal, essa não era entregue a quem encomendou o objeto, sempre com a desculpa de que não recebera a nota. O Espinhel precisava ser testado, senão podia ficar panema!
Juca do Panga, em pé junto a um espeque que escorava um pé de manga caiana, aguardava o café que D.Fuluca preparava no fogão, estava demorando porque a lenha que seu Felismino conseguira estava verduenga. Seu Felismino, sentado na beira do jirau, uma das pernas encolhida também aguardava o café enquanto apreciava uma bácula que deliciava-se num lamaçal no pé de um inajazeiro velho. Diquinha, com um pitó no cabelo, procurava por uma suvela para costurar um chinela de sola que usava para pisar no tijuco quando ia para o terreiro dar milho aos xarimbabos.
- Mas credo em cruz Filismino, essas axas de ingá istão verde, tu não pudias percurar pelo menos mututi seco aí pelo mato? Disse D. Fuluca.
Bão…tú pensa qui tá fácil achar lenha boa por aí, esse pessoar tira tudo, umas zinha assim,assim, só lá pra cabeceira do mucambo, fora disso, só essas verduengas mesmo, qui jeito? Respondeu seu Filismino.
- Mas está bom Mamãe, é só esperar mais um pouco que pega fogo, aí o café sai. Interveio Juca.
- Mas bão, agora quem aguenta uma fumaça dessas, é porque num é nu zolho de vuces; mas me diz uma cuisa: tu vai demorar pra por iste ispinhé? Comentou D. Fuluca.
-Não Mamãe, eu volto logo porque ainda quero ir no Itaguary para dar uma olhada na Pirapema que sai hoje, quero ver o Manduca jogar uns versos, estou só esperando a maré parar mais um pouco porque quero por o espinhel na preamar. Respondeu Juca.
- Oh cobôco bom num verso o Manduca, benza Deus! Disse seu Filismino.
- Mas me diz uma cuisa: donde antão tu já vai botar iste espinher? Indagou D. Fuluca.
-Estou pensando em colocar ali abaixo da casa da tia Tila, naquele aningal.
Hum, hum concordou D. Fuluca.
Meo filho, coloca a montaria direito naquela samaumeira grande do utro lado, tu sabe qui naquela direção tem um puço, se o espinher ficar pra baxo fica inrriba da ponta du baxio da ilha e si ficar pra cima pode engatar nas pedras, onde a Dinoca se esbandalhu, tu te alembra? Recomendou seu Filismino.
-É, eu sei Papai.
- I qui oras tu tá pensando ir pro Itaguary antão? Quis saber D. Fuluca.
- Depois da ladainha, quando soltarem os foguetes acho que já estou voltando, se Deus quizer. Respondeu Juca.
-Toma o café meo filho, toma meo Veio. Diquinha, mea filha, vai percurar café na chicolatera e si quizeres rosca tem dentro da lata de mulico que istá inrriba da tábua, na ilharga du pote, pega lá. Disse D.Fuluca.
- Já vou Mamãe, a senhora sabe onde está a suvela? Perguntou Diquinha.
- Dexa me alembrar…hum, já sei! Percura nixi balaio de arumã aí perto da lamparina, mas num me disarruma ixis cueros qui tu perparando pro filho da cumadre Ismaelina, si num istiver, istá dentro dixe barde de cuia dipindurado na ilharga du oratório. Respondeu D. Fuluca.
Juca tomou o café, juntou o material dentro de um paneiro de jacitara e rumou para o porto para embarcar na montaria. Seu Filismino permaneceu sentado observando o filho que se afastava remando igarapé abaixo.
Chegando no aningal, local escolhido, maré na preamar, juca selecionou uma aningueira forte, amarrou a montaria; um anu coroca voou e pousou num galho de mangueiro ali perto; alguns tralhotos que estavam nadando por ali saltaram assustados e algumas ciganas que estavam pousadas nos galhos de uma momoraneira voaram; na outra margem do rio via-se um bando de garças voando rente a água em direção ao poleiro para passar a noite e as luzes do Itaguary aos poucos começavam a piscar, a noite estava chegando. Juca cortou os muçuns e pacientemente iscou o espinhel, pendurando os anzóis na falca da montaria, para que na medida em que fosse remando para fora, se afastando da margem, os anzóis fossem cainda n’água. Ao terminar de iscar o espinhel desceu n’água com uma das pontas da linha e mergulhando, amarrou na aningueira, lá no fundo, para que o espinhel não aparecesse quando a maré estivesse baixa. Subiu na montaria e começou a remar em direção a samaumeira, conforme orientação do Pai.
Após ter posto todos anzóis n’água, remou bem forte para esticar o espinhel e largou a pedra que estava amarrada na outra ponta da linha. Quando regressava para casa, ao se aproximar do porto, ouviu o estouro de um foguete, era o anúncio de que a ladainha não demoraria muito a começar, mas a Pirapema só ia sair lá pelas nove, dava tempo.  

Obs: Caso tenha dúvida com alguma palavra usado no sítio, consulte o vocabilário do sítio existente no blog.

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