Marta Medeiros.
Quem não tem um talento especial acaba se sentindo
um penetra nesta festa onde todos têm tido os seus quinze minutos de Caras. Uns
sabem desfilar, outros são chefes de cozinha, há os reis do pagode.Uns pilotam
carros, outros apresentam talk shows, volta e meia aparece um novo ilusionista.
Como não se sentir descartado neste planeta de tantos destaques? Simples:
valorizando nossos pequenos grandes talentos.
Viver é uma arte. A arte de conversar com
desconhecidos, por exemplo. De se revelar em poucas palavras para uma pessoa que
não sabe nada de você, e você nada dela, e estabelecer um contato que seja
agradável e frutífero para ambas as partes, evitando silêncios constrangedores
ou, pior, o sono.
A arte de ser pontual. Para pouquíssimos. Calcular
exatamente o tempo que se chega de um ponto a outro da cidade e ter a
capacidade de prever o imprevisto: trânsito mais caótico do que o normal, chuva,
falta de lugar para estacionar. Atender um paciente na hora marcada. Decolar no
horário previsto. Não entrar atrasado no teatro. Um dom.
A arte de manter uma amizade por anos a fio. Aquele
amigo da adolescência que foi morar em outro país. Aquela amiga com quem você
se desentendeu por causa de uma bobagem. Aquela turma que já não pensa como
você. É uma arte saber onde e quando procura-los, telefonar nos momentos
especiais, esquecer as picuinhas, aceitar seus novos pontos de vistas, lembrar
e rir juntos do passado. Um talento a ser aprimorado diariamente.
A arte de se isolar. De penetrar no nosso íntimo,
de buscar ajuda na meditação, de deliberadamente não pertencer a grupo nenhum e
fundar uma natureza própria, e ainda assim não ser ermitão, ser apenas alguém
que de tempos em tempos se retira para se reencontrar. Há uma técnica para
isso.
A arte de perceber segundas intenções, a arte de se
controlar, a arte de fixar prioridades, a arte de saber furar bloqueios, a arte
de não desistir na primeira dificuldade, a arte de não viver uma vida de
aparências, arte de andar desarmado, metafórica e literalmente falando. Cada um
de nós mereceria ao menos uma reportagem para homenagear nossos dons mais
secretos, aqueles que acontecem bem longe dos holofotes. O dom de viver sem
aplausos e sem plateia. O glorioso e secreto dom de vencer os dias.
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