quinta-feira, 11 de setembro de 2014

A ARTE DE VIVER.


Marta Medeiros.
 
 
Uns cantam, uns dançam, outros fazem embaixadas por 24 horas sem deixar a bola cair. Uns são campeões de pára-quedismo, uns pintam telas abstratas, outros equilibram pratos na ponta do nariz. Vivem na revista, na tevê, dando entrevistas.

Quem não tem um talento especial acaba se sentindo um penetra nesta festa onde todos têm tido os seus quinze minutos de Caras. Uns sabem desfilar, outros são chefes de cozinha, há os reis do pagode.Uns pilotam carros, outros apresentam talk shows, volta e meia aparece um novo ilusionista. Como não se sentir descartado neste planeta de tantos destaques? Simples: valorizando nossos pequenos grandes talentos.

Viver é uma arte. A arte de conversar com desconhecidos, por exemplo. De se revelar em poucas palavras para uma pessoa que não sabe nada de você, e você nada dela, e estabelecer um contato que seja agradável e frutífero para ambas as partes, evitando silêncios constrangedores ou, pior, o sono.

A arte de ser pontual. Para pouquíssimos. Calcular exatamente o tempo que se chega de um ponto a outro da cidade e ter a capacidade de prever o imprevisto: trânsito mais caótico do que o normal, chuva, falta de lugar para estacionar. Atender um paciente na hora marcada. Decolar no horário previsto. Não entrar atrasado no teatro. Um dom.

A arte de manter uma amizade por anos a fio. Aquele amigo da adolescência que foi morar em outro país. Aquela amiga com quem você se desentendeu por causa de uma bobagem. Aquela turma que já não pensa como você. É uma arte saber onde e quando procura-los, telefonar nos momentos especiais, esquecer as picuinhas, aceitar seus novos pontos de vistas, lembrar e rir juntos do passado. Um talento a ser aprimorado diariamente.

A arte de se isolar. De penetrar no nosso íntimo, de buscar ajuda na meditação, de deliberadamente não pertencer a grupo nenhum e fundar uma natureza própria, e ainda assim não ser ermitão, ser apenas alguém que de tempos em tempos se retira para se reencontrar. Há uma técnica para isso.

A arte de perceber segundas intenções, a arte de se controlar, a arte de fixar prioridades, a arte de saber furar bloqueios, a arte de não desistir na primeira dificuldade, a arte de não viver uma vida de aparências, arte de andar desarmado, metafórica e literalmente falando. Cada um de nós mereceria ao menos uma reportagem para homenagear nossos dons mais secretos, aqueles que acontecem bem longe dos holofotes. O dom de viver sem aplausos e sem plateia. O glorioso e secreto dom de vencer os dias.

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